Namorada abandonada com base no rito do destino, tenho por cama um papelão e como lençol jornais. Além do brilho do olhar verde do namorado, riscado do mapa do Brasil, acompanha-me a fome, o desespero dos perigos e os nervos embalados pelos tremores incontroláveis.
A introdução acima basta-me.
Hoje, 12 de maio de 2013, comemora-se o Dia das Mães. Não sei o motivo, mas resolvi escrever esta carta para minha inesquecível mãe.
Quando eu ainda no meu venerável ventre, você acariciava-me a cabeça, deslizava suas caliente mão sobre o meu rosto, cantava doces e suaves canções e, costumava sentar-se ao piano para tocar para mim.
Eu aquietava-me silente, vislumbrando estrelas que riscavam douradas a flor do meu futuro.
E lá um dia, o meu olhar se abriu para suas lágrimas misturadas com um encantador sorriso – demonstração sincera do “ Venha, filha, à luz, catar felicidade conosco!”
Meu pai, ao lado, emborcou-se para num delicado sussurro e beijo dizer-me: “Vida de minha vida, você será a mais amada, a mais privilegiada de todas as mulheres. Será o nosso Sol, a nossa razão de ser, o nosso tudo”.
Eu vivia rodeada de mimos. Se ao menos eu pensasse em algo, o algo aparecia-me. Belos vestidos, cursos de dança, piano, viagens, ótimos livro... Ah, mãe! Acho que nem a Rainha da Inglaterra tinha tanto! Vocês faziam tanto por mim, que às vezes eu acho que eu não sou eu: não arrumava uma cama, não lavava um prato, não varria a casa... Eu apertava o botão chamado voz e ali estavam as empregadas se desmanchando em solicitudes.
Eu era invejada pelas outras garotas e o meu corpo delgado e traçado, a dedo, pelas mãos do Criador, provocava os hormônios de rapazes e moças.
T anto assédio, tanto conforto, tanta inoperância, o fogo do desejo já fluindo pelos meus poros... Ah, mãe! Quantas vezes, aqui neste inferno chamado “Mundo das Drogas”, eu desejei ser uma operária, daquelas que valorizam cada tostão ganho com o suor do duro trabalho dela! O chão da rua não seria tão pontiagudo! O meu corpo não seria apenas um ritual de prazer e o ronco do meu estômago não seria uma canção sem acordes vibrantes!
Muitas vezes, lutei contra cada trago, cada injetada, cada cheiro. Mas eu não fui treinada para o embate! Não foram poucas as vezes em que as estrelas, num céu azul, conversaram comigo! Nesses últimos dois anos foram elas que me livram da morte, da cadeia e despertaram-me dos delírios endiabrados.
Hoje, mãe! As estrelas despertaram-me muito cedo. Ficaram buzinando nos meus ouvidos. Pensei que a loucura estava dando o aviso de que estava chegando.
- Escreva! Escreva! Escreva! – essa era a ordem!
Fechei os ouvidos, coloquei as mãos na cabeça e tentei um “PAI NOSSO”.
- Escreva! Escreva! Escreva! – A ordem vinha mais forte e mais determinada.
Caí em lágrimas! Fui impulsionada a conseguir papel e caneta. O horizonte dos meus pensamentos deixava descambar os últimos rubros do arrebol. Senti que um orvalho alimentava a seiva dos meus pensamentos e, por encanto, minha mente era como uma flor desabrochando na aurora primaveril.
Sei, mãe, que nenhuma fundação, nenhum psiquiatra, nenhum psicólogo, nenhum médico pode salvar-me. Contudo, mil vidas eu daria, se tivesse, para hoje ajoelhar-me aos seus pés, depois beijar a sua fronte e num abraço apenas chorar... chorar... chorar... Como aquela criança assustada, com medo de relâmpagos e trovões que você ninava nos braços, eu adormecer, sonhar que continuo sendo a “Vida de minha vida, a mais amada das mulheres”, como dizia o meu amado pai.
Venha, mãe. Arranca-me dessas trevas satânicas e, pela última vez que seja, coloca-me no seu colo morno, canta qualquer canção divina e direi num sorriso de cinderela que valeu ter sido sua filha e já posso morrer, porque melhor do que esta minha vida que é trapo, é morrer ouvindo-a cantar.
José Wilton de Magalhães Porto
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