Acreana de 19 anos diz que se sente diferente desde a infância.
Anahí Rodrigues mudou-se para São Paulo para recomeçar como mulher.
Quem vê a acreana Anahí
Rodrigues segura e bem resolvida aos 19 anos não imagina os obstáculos
enfrentados por ela para se sentir feliz e satisfeita com a imagem no
espelho. Não se trata dos dramas vividos por muitas mulheres em busca de
uma boa aparência, ou de pequenos detalhes no visual que causam
insatisfação, trata-se de não se reconhecer no próprio corpo e decidir
encarar a transexualidade.
“Ninguém
quer ser trans. Vida de trans não é fácil. E a transformação é um
risco. Você não sabe se vai ficar bonita, se vai dar certo, nem se vai
ser aceita”, diz. A decisão de assumir a identidade feminina, tomada há
pouco mais de um ano, significou para ela aprender a lidar com o
preconceito e envolve um processo longo de mudanças físicas e
acompanhamento psicológico.
Em
busca de uma nova vida como mulher, ela mudou-se em 2012 para São
Paulo, onde trabalha como modelo. Na bagagem, levou poucos pertences. “A
intenção era recomeçar como Anahi, onde ninguém me conhecesse como
homem e, ao mesmo tempo, buscar oportunidades em um lugar onde viver
como trans é mais comum e aceitável pela sociedade”, afirma.
Há
dois meses, ela entrou em uma briga judicial para alterar o nome e o
sexo na certidão, mas sabe que a luta será longa. Entre os vários
documentos necessários para juntar ao processo, ela conseguiu o laudo de
transexualidade, expedido por um psicólogo. Sem querer comentar sobre
uma possível cirurgia de mudança de sexo, Anahí, que também não gosta de
falar do passado, ou do nome que ainda consta na certidão, diz que o
órgão sexual é o que menos importa.
“Não
é o que você tem entre as pernas que conta. Para obter o laudo de
trans, o que importou foi a minha rotina. E eu levo uma vida de mulher e
sempre me senti uma. Tem trans que não tem uma aparência feminina, mas a
cabeça é de mulher e a sociedade não entende isso. Chama de traveco,
faz piada, mas não sabe como a pessoa sofre”, comenta.
Infância conturbada
E
o sofrimento, segundo Anahi, começa muito cedo. “Desde os 4 anos eu já
sabia que queria ser mulher. Eu me olhava no espelho e via um órgão ali
que não combinava com a minha mente. Eu ficava bem confusa”, conta. Já
nesta idade, ela dava os primeiros sinais à mãe de que era diferente.
“Eu dizia para minha mãe que queria brincar de boneca e usar as roupas e
maquiagens dela. Ela brigava comigo. Quando ela saía, eu pegava e usava
escondida”, lembra.
Aos
8 anos, ela conta que tomou anticoncepcional na esperança de se
transformar em uma menina. “Ouvi falar sobre hormônio feminino na escola
a primeira vez. Pensei ‘se isso é hormônio feminino e eu tenho o
masculino no meu corpo, então se eu tomar, vai mudar alguma coisa’",
relembra.
As
lembranças da crise de identidade na infância são muito nítidas.
Sentimentos que a jovem reprimiu por muitos anos para não contrariar a
mãe, com quem morava. “Meu pai foi embora quando eu era muito novinha e
não participou disso. Mas, com medo da reação da minha mãe, me negava a
ser o que era. Tentei até namorar uma menina, aos 12 anos, mas nunca
senti atração por mulheres”, confessa.
Aceitação
Aos
13, Anahí criou coragem de conversar com a mãe, Tiana Rodrigues,
primeiramente sobre a sexualidade. "A reação foi boa, diferente da
maioria dos pais. Ela disse que já sabia. Que toda mãe conhece seu
filho. Por mais discreta que ela seja", conta.
Tiana
confirma. "Eu já sabia, com certeza, desde criança. Toda mãe sabe. Só
tem mãe que não quer aceitar", pontua. Ela relembra, com bom humor,
situações inusitadas da infância da filha. "Comprava um carrinho, ela
chorava e quebrava. Dava uma Barbie 'ai, que felicidade'. Cortava o
cabelo curtinho, ela queria arrancar a própria cabeça", brinca.
Mas,
a príncipio, Tiana confessa que não foi fácil encarar a realidade. "Eu
não queria que ela se vestisse de mulher. Eu acho que até para arrumar
um trabalho fica difícil. Eu pensei no que ela poderia sofrer.
Preconceito, constrangimentos, pensei no que as pessoas iriam dizer. Mas
tem que aceitar. Fazer o que?", admite.
Processo de mudança
Depois
de conversar com a mãe, Anahí se sentiu mais segura. No mesmo ano, foi à
primeira parada gay em Rio Branco vestida de mulher. "Me achei meio
caricata na primeira vez. Mas depois disso, não parei mais. Fui me
vestindo assim em um lugar e outro, no carnaval, participava de concurso
de beleza e sempre ganhei o primeiro lugar em todos", conta.
Aos
17 anos começou a tomar hormônio feminino regularmente. Ainda este ano,
colocou prótese de silicone e fez plástica no nariz, acreditando que
deixaria o rosto mais delicado. O resultado disso é uma imagem de mulher
perfeitamente condizente com a cabeça de Anahí. "Meu jeito sempre foi
de menina, e mesmo antes de qualquer transformação, muitas pessoas já se
confundiam", diz.
Anahí
confessa que na balada os homens nunca desconfiam que ela seja trans.
"E eu também não conto. Mas já tive experiência de ficar e depois o cara
saber e querer me agredir. Como também já aconteceu de ficar, ele
descobrir, me agredir, depois voltar atrás e querer ficar comigo me
aceitando como sou. Foi o caso do meu último relacionamento", admite.
Preconceito
O
processo de transição e aceitação própria foi a fase mais difícil para a
jovem. Segundo ela, o preconceito ainda existe. "Eu acho que quando eu
estava na fase de transição eu sentia mais o preconceito. Passei por
alguns constrangimentos, mas aprendi a lidar com eles. Hoje em dia eu já
levo uma vida de mulher", afirma.
Ainda
assim, ela conclui que tudo valeu a pena. "Cada pessoa tem que buscar
sua felicidade independente do que os outros vão pensar. Antes eu não me
sentia feliz do jeito que eu queria. Depois que eu assumi minha
identidade feminina, posso dizer que sou uma pessoa realizada porque é
tudo que eu sempre quis desde criança", finaliza.
Fonte: G1