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domingo, 29 de maio de 2011

Globo Rural destaca nova fronteira agrícola, mas critica a gestão do PI


A reportagem do Globo Rural esteve no Piauí para documentar sobre a nova fronteira agrícola do estado
do piaui
Globo Rural destacou a fronteira que se abre com a produção de soja Globo Rural destacou a fronteira que se abre com a produção de soja
A reportagem do Globo Rural esteve no Piauí para documentar sobre a nova fronteira agrícola do estado. Mas encontrou no caminho as dificuldades por que passam todos os dias os produtores, como a falta de incentivo à população, péssimas estradas, desperdício de recursos públicos e principalmente a burocracia, que dificulta a expansão da área que desponta como uma das mais desenvoldidas do estado. Confira a reportagem na íntegra.
Já foi o tempo em que o boi abria as fronteiras agrícolas pelo Brasil afora. Hoje cada vez mais é a soja que exerce esse papel. O cerrado do Piauí é uma nova fronteira agrícola e para chegar ao lugar foi preciso atravessar um oásis no meio do sertão, com água jorrando à vontade, mas muito mal aproveitada.
A cidade de Bom Jesus é o principal centro comercial do Sul do Piauí. No lugar tem 30 mil habitantes e fica a 640 quilômetros da capital Teresina, aos pés da serra de Uruçuí.
No topo, a 600 metros de altitude, fica o cerrado piauiense, uma nova fronteira agrícola desbravada pelos agricultores do Sul do país.

Mas antes de subir a serra, está o Vale do Gurgéia, um oásis no meio do sertão do Piauí.
No inverno nordestino, que na região vai de novembro a maio, não significa frio, mas chuva, que nesse período sempre vem com abundância. Toda a água alimenta um gigantesco aquífero subterrâneo.
O DNOCS, Departamento de Obras contra a Seca, perfurou vários poços. A água é de ótima qualidade e brota espontaneamente. Não é preciso bombeá-la. Por isso, os poços recebem o nome de poços jorrantes.
De todos os poços jorrantes do Vale do Gurgéia, o Violeta é o maior. Ele tem mil metros de profundidade e uma vazão de 800 mil litros de água.
O Violeta foi perfurado há 40 anos e tem capacidade para abastecer sozinho uma cidade de 260 mil habitantes ou irrigar uma área de 400 hectares. Mas entra governo sai governo e até agora a água não tem sido bem aproveitada.
Alguns poços alimentam as piscinas dos hotéis, onde a fartura de água do Vale do Gurgéia virou atração turística. Ao todo já foram perfurados 174 poços na região.

A maioria dos produtos vendidos na feira de Bom Jesus é do Vale do São Francisco, que a quase 500 quilômetros do lugar.
“Eu não sei por que está tão caro. Chuva não faltou. Água não falta. Tem muita produção. Nós estamos comendo esse que vem da Bahia. Mas nós poderíamos produzir em Bom Jesus. Água nós temos suficiente e mão de obra também. Tem gente sem fazer na nada, na rua, jogando sinuca e não quer produzir as coisas para ficar mais barato. Pode ser falta de estimulo. O gestor teria de ter uma política voltada para estimular as pessoas a trabalhar”, diz a agricultora Aerolisa Rodrigues.
Em Teresina a capital do Piauí, foi ouvida a opinião do governador Wilson Martins sobre a falta de aproveitamento da água dos poços jorrantes. “Falta vocação do povo para o trabalho na agricultura irrigada. Ao longo dos anos, o estado do Piauí foi colonizado por vaqueiros. Essas pessoas se acostumaram e plantaram o que precisavam para comer e sobrasse algum tostão para comprar uma roupa ou um calçado. E se acomodaram desta forma. Não se muda a cultura de um povo da noite para o dia. Muda-se aos poucos”, explica.
Mas para espanto da população do Vale do Gurgéia, no alto da serra nem é preciso furar poço para produzir. Só com a água da chuva os agricultores gaúchos estão produzindo arroz, feijão, soja, milho e algodão.

O problema são as estradas que ligam o vale ao alto da serra. O pior trecho da estrada é a subida da Serra das Palmeiras, um caminho estreito e muito perigoso. Não é possível fazer o transporte de cargas pesadas pelo lugar. Na época de chuva forte a estrada fica interrompida.
As terras do cerrado são planas, do jeito que o gaúcho gosta para semear os grãos. Na região, é época de colheita da soja. Para todo lado se ouve o som das máquinas.
Os gaúchos trouxeram levaram para o lugar todos os recursos da agricultura moderna.
Aécio Pinheiro Lemos, filho dos antigos vaqueiros do Vale do Gurgéia, diz que eles nunca imaginaram que as terras do cerrado pudessem produzir alguma coisa. “Antes a gente colocava o gado no cerrado. Nós achávamos que o solo era muito fraco e não dava a pastagem e o plantio de capim. A gente nunca cultivo o cerrado”, justifica.
O solo é ácido, como em toda terra de cerrado. Mas a região tem calcário suficiente para fazer a correção.
As sementes de soja foram desenvolvidas pelos pesquisadores brasileiros para suportar o clima tropical. A chuva começa na hora certa para o plantio e desenvolvimento da soja, e diminui na colheita. Isso é muito bom porque os grãos podem ser armazenados na lavoura, sem passar pela secagem.

Muitos produtores depositam a safra em silos-bolsa feitos de lona plástica, onde o produto pode ficar até dois anos sem estragar.
A exploração da área começou há 18 anos numa gleba experimental de 200 hectares. Hoje, já são mais de 400 mil. A safra deste ano é estimada em 1,2 milhão de toneladas. Isso significa só 1,5% da safra brasileira de soja. Mas é suficiente para mudar a vida de muita gente.
As lavouras de soja se concentram no município de Uruçuí, que antes da chegada dos gaúchos era apenas uma cidadezinha perdida no mapa do Piauí. Hoje, ocupa o segundo lugar em arrecadação de impostos do estado.
Há oito anos, Uruçuí não tinha sequer uma escola de segundo grau. Hoje, conta com um campus da Universidade Estadual do Piauí. O engenheiro agrônomo Jodélcio Luz foi diplomado na primeira turma da universidade e encontrou trabalho na sede da maior empresa de armazenagem e beneficiamento de grãos do Piauí.
“Hoje, temos 83 funcionários diretos. É algo em torno de 63 parceiros. Noventa por cento dessa quantidade é mão de obra local. Isso prova a oportunidade e a expansão que a região está mostrando”, avalia.
A empresa, uma multinacional holandesa, esmaga 730 mil toneladas de soja por ano, o que representa cerca de 80% da safra colhida no estado. Os produtos são vendidos para o mercado nordestino. O farelo é transformado em ração animal. O óleo é refinado para o consumo humano.

Entusiasmado com o progresso da região, o piauiense Aldir Lages saiu de Teresina há oito anos e foi até Urucuí, onde abriu uma empresa de produção de combustível.
O gaúcho Altair Fianco participou das primeiras experiências de introdução da soja em Uruçuí. Ele diz que o maior desafio dos produtores da região é a questão ambiental. Na opinião dele, as reservas legais das propriedades devem ser demarcadas em bloco, unindo as áreas das fazendas. Isso aumenta o espaço para os animais transitarem e garante a biodiversidade. Foi o que ele e seus dois vizinhos fizeram. Juntando as três áreas, são 18 mil hectares de reserva legal averbados na escritura.
“A gente não entende divisa de propriedade como divisa de reserva. Esse é o espírito que queremos implantar da nossa reserva em conjunto. Eu vim para ganhar dinheiro. Seria hipócrita se dissesse o contrário. Mas não ganhar dinheiro a qualquer preço, a custo alto da natureza. Eu preciso ter a natureza como aliada e eu serei o maior defensor dela. No futuro, meus filhos e netos poderão usufruir do que eu deixei de bom para eles”, diz Fianco.
Família deixa o Rio Grande do Sul e se muda para o Piauí
A segunda parte da reportagem sobre o cerrado do Piauí conta a aventura de uma família que deixou o Rio Grande do Sul para plantar soja e milho na região. Hoje, ela colhe toneladas de grãos onde até há poucos anos não se produzia quase nada.
A vilinha chamada Nova Santa Rosa foi um dos primeiros núcleos de colonização agrícola da região. É um distrito do município de Uruçuí, fundado no meio do cerrado do Piauí pela Cotrirosa, Cooperativa do Rio Grande do Sul.

A cooperativa comprou 110 mil hectares, separou a área da reserva legal e dividiram 40 mil hectares entre 110 famílias de colonos gaúchos.
O nome do lugar tem a ver com a origem deles. É município de Santa Rosa, que fica na região das Missões, no Rio Grande do Sul, a cerca 3,2 mil quilômetros do lugar.
Em Nova Santa Rosa tudo se conta por unidade. No lugar só tem uma igreja; uma padaria, que também é a única pizzaria; uma farmácia; uma escola de primeiro grau; um posto de saúde; e acaba de ganhar também uma boutique: a Estefani.
A vila está quase deserta. O motivo pode ser visto do alto da torre do único armazém de grãos do lugar. É época de colheita e todos estão no campo pilotando colheitadeiras, carretas e tratores. Se tudo correr bem, os produtores vão colher este ano perto de 200 mil toneladas de grãos.
O agricultor Arnildo Schroder é um dos fundadores de Nova Santa Rosa. Ele está entrando na casa dos 60 anos. É descendente de alemães que imigraram para o sul do Brasil no início do século 19. A mudança da família dele para o Piauí aconteceu há 12 anos.
Arnildo Schroder diz que a produtividade da soja é igual à do Rio Grande do Sul. A surpresa é o milho, que na cidade produz muito mais. “Nós fechamos uma média de 163 sacos por hectare nesse último ano. Comparar como produzíamos no Sul, o máximo que conseguimos líquido e seco, foram 92 sacos por hectare”, calcula.

Ele plantava soja e criava gado de leite no Rio Grande do Sul. Mas a terra era pouca e a renda não dava para o sustento dele, da mulher e de mais quatro filhos. Por isso, assim que ficou sabendo do potencial do cerrado do Piauí e do preço baixo das terras, despachou o filho Sávio para conhecer o lugar.
“Na verdade, veio eu e meu cunhado. A gente veio conhecer, voltou para o Sul, passou para o restante da família e a gente decidiu criar área aqui, já pensando em uma grande extensão de área para criar”, lembra o agricultor Sávio Schroder.
Em menos de um ano, a decisão estava tomada. O agricultor Arnildo Schroder vendeu 30 hectares de suas terras e deu o dinheiro para o filho comprar uma fazenda de 1,2 mil hectares no Piauí. Mas entrou em cena a mulher dele, a agricultora Glaci Schroder. “Quando meu filho decidiu mudar vieram as lágrimas. Eu chorei muito. Até que eu dia eu falei para o meu esposo para encarar a verdade e para ir todo mundo. Começamos a vender tudo”, diz.
A aventura da família Schroder de Santa Rosa até o cerrado do Piauí foi toda documentada com uma pequena câmera. As imagens mostram a casa onde moravam e a família carregando a mudança no caminhão. Madeiras serviram para erguer o barraco no Piauí. A partida se deu no dia 10 de março de 1999.
Os 3,2 mil quilômetros que separam Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, de Uruçuí, no Piauí, foram feitos em cinco dias de viagem. Eles chegaram debaixo de chuva.

Apesar das dificuldades, nas imagens feitas pela família a agricultora Glaci Schroder estava sempre animada. Ela achava graça do chuveiro improvisado pelos homens. Para levantar o astral da filha Geisa Schroder Marcolin, ela organizou uma festinha. Eles completavam dez dias de acampamento e ela fazia 15 anos.
De todos da família, Geisa era a menos animada com a mudança para o Piauí. Mas ela não podia imaginar que no estado realizaria o maior sonho. Dois anos depois, o namoro com o agricultor Wilson Marcolin, outro gaúcho que foi tentar a vida no Piauí, acabou em casamento, com cerimônia e festinha para os amigos.
“A maior dificuldade era a água. A gente não tinha água. Tinha de buscar a 45 quilômetros de distância. Eram tambores de 200 a 250 litros que a gente carregava pra cima da caminhonete”, lembra Geisa.
O problema da água foi resolvido com a perfuração de um poço. Hoje, com dez anos de casamento e 12 de experiência cultivando 950 hectares de soja, a família já mudou de vida. Na casa, com todo conforto e escritório com telefone e internet, vivem o casal e dois filhos.
A Vila de Nova Santa Rosa ainda não tem população suficiente para ser transformada em um município. Mas o pessoal já sonha com a emancipação do lugar.
Mas a agricultora Glaci Schroder diz que o principal problema da vila ainda é o isolamento. “Se alguém ficar doente e for grave, tem que ser com avião. Caso contrário, só por Deus”, reclama.

Para chegar a Teresina, onde ficam os melhores hospitais da região, são mais de 600 quilômetros. O primeiro trecho da viagem é feito pela Transcerrado, uma estrada de terra também usada no escoamento da safra. O pior trecho são 17 quilômetros de serra, onde os acidentes são freqüentes e falta manutenção.
Mas o agricultor Arnildo Schroder nem pensa em desistir. Esse é o lugar que escolheu para viver com filhos e netos da sétima geração dos Schroder, que um dia saíram do norte da Alemanha para viver no Sul do Brasil e que agora refazem a vida no cerrado Piauí.
Além das estradas, outro problema sério no sul do Piauí é a documentação das terras. Para comprar uma área é preciso consultar o Instituto de Terras do Piauí, órgão que cuida da regularização fundiária da região.

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