Projeto de lei em
tramitação no Congresso pretende combater o aborto em gestações
resultantes de estupro - prática permitida no Brasil desde o Código
Penal de 1940 - com base em um pagamento pelo Estado de um salário
mínimo para a mulher durante 18 anos. A idéia, conhecida como
"bolsa-estupro", pretende, nas palavras de um dos autores do texto, o
deputado Henrique Afonso (PT-AC), "dar estímulo financeiro para a mulher
ter o filho".
A
idéia de subsídio para grávidas vítimas de violência sexual está também
no projeto do Estatuto do Nascituro - texto que torna proibido no País o
aborto em todos os casos, as pesquisas com células-tronco, o
congelamento de embriões e até mesmo as técnicas de reprodução
assistida, oferecendo às mulheres com dificuldades para engravidar
apenas a opção da adoção.
Os
textos provocaram enxurrada de reclamações e protestos de organizações
não-governamentais ligadas aos direitos humanos, aos movimentos
feministas e até mesmo em esferas governamentais. Ontem, o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher divulgou carta afirmando que as
propostas são um retrocesso nos direitos já obtidos no País. "É
retrocesso, uma proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Trata
a violência contra a mulher como monetária, como se resolvesse dando um
apoio financeiro. Nós apoiamos a liberdade de escolha da mulher",
afirma a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres.
"O
aborto, para nós evangélicos, é um ato contra a vida em todos os casos,
não importa se a mulher corre risco ou se foi estuprada", afirma o
deputado Henrique Afonso. "Essa questão do Estado laico é muito
debatida, tem gente que me diz que eu não devo legislar como cristão,
mas é nisso que eu acredito e faço o que Deus manda, não consigo
imaginar separar as duas coisas."
A
proposta do deputado inclui ainda outro item bastante polêmico, que
prevê que psicólogos, pagos pelo Estado, devam atender essas mulheres
para convencê-las da importância da vida, fazendo com que elas desistam
do aborto. "O psicólogo comprometido com a doutrina cristã deve
influenciar a mulher e fazer com que ela mude de opinião", defende
Afonso. No entanto, o Código de Ética da profissão proíbe ao psicólogo,
no exercício de suas funções, "induzir a convicções políticas,
filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual".
Na
justificativa do projeto, o deputado diz que "se, no futuro, a mulher
se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido.
Tem uma explicação simples na psicologia feminina: as mães se apegam de
modo especial aos filhos que lhes deram maior trabalho".
"A
ciência está do nosso lado, pois a genética diz que a concepção
acontece no primeiro minuto, a partir daí já é uma vida e vamos fazer de
tudo para que ela seja respeitada", defende o deputado Luiz Bassuma
(PT-BA). Questionado sobre a proibição de congelamento de embriões in
vitro, o deputado é enfático: "As mulheres que adotem. A resposta para
quem não consegue ter filhos é adoção. Estamos sendo pioneiros, o mundo
inteiro ainda vai rever essas permissões que se dizem científicas e são
contra a vida", diz ele.
REAÇÕES
"Há
uma dificuldade em compreender que o Estado democrático surge para
assegurar a liberdade de crença da população. Há uma confusão no
entendimento de alguns parlamentares entre direito e moral, entre
religião e política pública", afirma a advogada Samantha Buglione, do
Instituto Antígona e das Jornadas Pelo Direito de Decidir.
"Desse
modo, propostas como essas corrompem toda a estrutura legal que nós
temos, pois pretendem impor uma determinada crença, um pensamento único,
baseado numa moral", complementa.
A
jurista Silvia Pimentel, professora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP) e vice-presidente da Comissão das Nações Unidas
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres,
realça o caráter de troca da proposta, de pagamento financeiro num
contexto de miséria de boa parte da população. "É lamentável que mais
uma vez nossos parlamentares estejam se ocupando de questões sérias de
maneira esdrúxula. Adoraria perguntar a eles se gastam tanta energia e
dedicação à implantação efetiva do Estatuto da Criança e do
Adolescente."
"Não
é a proteção da maternidade, senão todas as grávidas receberiam. Nem
compensação para vítima de violência sexual, pois senão todas também
receberiam. É perverso propor oferecer dinheiro para mulheres aderirem a
uma tese. Porque é uma tese que eles colocam", diz a antropóloga Débora
Diniz, da Universidade de Brasília (UnB).
FRASES
Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres
"É retrocesso, uma proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Nós apoiamos a liberdade de escolha da mulher"
Henrique Afonso
Deputado do PT-AC
"O
Estado deve garantir o que pensa a maioria e acredito que a maioria dos
brasileiros acredita no que Deus prega, que é o direito à vida. Não
posso separar o deputado do cristão"
Samantha Buglione
Advogada
"Há
uma dificuldade em compreender que o Estado democrático surge para
assegurar a liberdade de crença da população. Há uma confusão no
entendimento de alguns parlamentares entre direito e moral, entre
religião e política pública"
Luiz Bassuma
Deputado do PT-BA
"A vida é um bem primordial. A ciência já comprovou isso. Vamos lutar para que isso seja garantido no Brasil e no mundo"
Fonte: Estadao
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