Equipe da rede BBC registrou o município por ter uma das menores rendas do País.
Ao chegar de carro por uma
estrada de terra arenosa, uma placa dá as boas-vindas a Assunção do
Piauí, "a capital do feijão". Mas as letras desbotadas, quase apagadas,
deixam claro que a principal atividade econômica local já viu melhores
dias. Na pequena cidade, a 270 km de Teresina, as colheitas fracas estão
fazendo muitos desistirem de plantar feijão. "Aqui é assim, a gente só
trabalha no escuro. Num ano dá e no outro não dá", diz a dona de casa
Francisca Pereira Moreno, mãe de cinco filhos.
Depois
de conversar com alguns moradores de Assunção, perguntar onde cada um
trabalha parece perder sentido. Os principais empregos da cidade são na
prefeitura local, mas para adultos como Francisca, que não sabe ler nem
escrever, a única opção está na roça ou nos serviços domésticos. Sem
alternativas, a maioria sobrevive do Bolsa Família. "Tem que ter o Bolsa
Família. Porque a renda aqui do feijão não está dando dinheiro. Dá R$
60, R$ 70", fiz Francisca.
A
cidade é um dos retratos de um Brasil que ficou praticamente à margem
do crescimento econômico nacional registrado nos últimos anos e que tem
colocado o País próximo de economias consideradas de primeiro mundo como
a Grã-Bretanha. Apesar do recuo constante da pobreza desde o início do
Plano Real, em 1994, e da emergência da classe C, na última década, o
país ainda tem focos de pobreza extrema que se caracterizam por baixo
rendimento domiciliar, acesso limitado a serviços como saúde e educação e
poucas perspectivas de trabalho para os moradores locais.
Oportunidades insuficientes
"Com
o crescimento e a geração de empregos, uma parte da população saiu da
pobreza extrema. (Mas) as oportunidades não foram suficientes para todos
- sobraram os com menos condições de aproveitar, como os que não tinham
vínculos com o mercado de trabalho ou acesso à Previdência e a
assistência social", explicou Rafael Osório, pesquisador do Ipea
(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Segundo o Censo 2010, em
média 8,5% da população brasileira ainda vive com renda per capita
mensal de até R$ 70. Isso equivale a cerca de 16,2 milhões de pessoas -
praticamente a população do estado do Rio de Janeiro.
Com
7,5 mil habitantes, Assunção do Piauí, visitada pela BBC Brasil em
janeiro, teve em 2010 o 10º pior rendimento per capita domiciliar do
País - uma média de R$ 137 reais, contra R$ 1.180 de São Paulo. A taxa
de analfabetismo é de quase 40% entre pessoas com 15 anos ou mais. A
cidade tem quase 1.500 famílias beneficiárias do Bolsa Família. "Muitos
ficam na fila de espera (do programa) porque a Assunção já extrapolou a
cota que o Ministério do Desenvolvimento estipula para cada cidade", diz
a assistente social Ana Alaídes Soares Câmara, que trabalha no Centro
de Referência de Assistência Social da cidade.
O terço mais difícil
Desde
o Plano Real, a pobreza caiu 67% no Brasil, algo inédito na série
estatística, disse o pesquisador Marcelo Neri, do Centro de Políticas
Sociais da FGV. "Falta o último terço, que é o mais difícil da jornada."
Para Neri, é possível que o número de extremamente pobres seja até
menor do que o estimado pelo Censo, se for levada em conta a renda
obtida em transações não monetárias, como trocas e agricultura familiar.
"Pelo Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, também do
IBGE), essas pessoas seriam 5,5% da população", disse o pesquisador da
FGV.
A
incerteza a respeito do tamanho dessa população revela, na verdade, uma
boa notícia: como o grupo de extremamente pobres está cada vez menor,
eles ficam pouco representados na amostra geral dos brasileiros,
explicou Rafael Osório, do Ipea. "As pessoas extremamente pobres são
mais difíceis de se investigar. Algumas sequer são achadas, não
interagem com o Estado, não têm documentos, e o acesso a elas é
complicado", disse. Além disso, a pobreza extrema não é apenas uma
questão de renda: diz respeito também à falta de acesso a serviços
básicos, como saneamento, moradia e educação de qualidade, e ao
isolamento em relação ao mercado de trabalho.
Faltam atividades econômicas
Mas
um relatório do Ipea tenta traçar um perfil desse Brasil que demora a
crescer: em 2009, 41,8% das famílias extremamente pobres eram formadas
por casais com uma a três crianças; 29% eram agricultores e 34% eram
inativos (não trabalhavam nem procuravam emprego). Dados do Censo 2010
indicam que muitos desses bolsões extremamente pobres se concentram em
cidades de porte mediano, de entre 10 mil e 50 mil habitantes.
"São
cidades onde faltam atividades econômicas", explicou Osório. "Muitas
têm poucos atrativos para empresas e dependem cada vez mais de políticas
sociais, e algumas têm um vácuo generacional (sua população
economicamente ativa migra em busca de empregos)." Mas o pesquisador
ressalva que não se trata de uma população fixa e estagnada: "Uma
parcela tem rendimento incerto e transita entre uma camada de renda e
outra. É o caso, por exemplo, de um guardador de carro - se ele ficar
doente, perde a renda (e passa a figurar entre os extremamente pobres)".
Estratégias
Como,
então, combater essa pobreza extrema? A presidente Dilma Rousseff
lançou como uma das prioridades de seu governo o programa Brasil Sem
Miséria, que tem a ambiciosa meta de erradicar a pobreza extrema até
2014 e que foca as pessoas com renda per capita mensal de até R$ 70.
Iniciado
em junho do ano passado, o plano contém ações que complementam o Bolsa
Família, com programas para fomentar o emprego, a capacitação
profissional e atividades econômicas locais, bem como o aumento da
oferta de serviços públicos como saúde, educação e saneamento. Os
especialistas ouvidos pela BBC Brasil elogiam o foco estabelecido pelo
programa, mas o projeto tem óbvias dificuldades em levar serviços, renda
e oportunidades para as pessoas mais excluídas.
"É
preciso localizar (as populações empobrecidas), levar serviços
públicos, com agentes sociais. É algo mais caro, mais artesanal",
afirmou Neri, da FGV. Para Osório, uma alternativa seria aumentar os
valores pagos pelo Bolsa Família.
"A
maior parte dos extremamente pobres já faz parte do programa. Se
aumentarem os valores, daremos um baque na pobreza." Mas os
pesquisadores concordam que o grande estímulo para a saída da pobreza é a
geração de empregos - e o desafio do Brasil é conseguir gerar vagas em
áreas mais pobres justamente num momento de desaceleração econômica.
"Gerar empregos depende, em última instância, da economia", disse
Osório. "E o cenário é adverso, apesar de ser o melhor caminho. Isso
pode não ocorrer com a mesma intensidade do que nos anos de
crescimento."
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